UM HOMEM DE MERDA

"Assim trabalhávamos, esperávamos pela luz.
Ficávamos sem carne e reclamávamos o pão.
E Richard Cory numa clara noite de verão
Foi para casa e meteu uma bala na cabeça"
(EDWIN ARLINGTON ROBINSON)




Ele era conhecido e admirado e amado
Na cidade onde vivia e nas cidades vizinhas.
Um artista popular aplaudido e louvado
Nas outras regiões e nos lugares aonde ia.


Todos gostavam da sua música e dos seus versos.
Os homens da sua geração nele se identificavam.
Os mais jovens seguiam o que ele cantava e dizia,
Como verdades bíblicas e definitivas,
E as mulheres obedeciam a regra da idolatria sexual,
Divinizando seu nome e sua vida.


Sim, ele era como um deus de carne & osso.
Para todos que em sua terra o conheciam
Sua aparição era boa e a certeza
De que ele criava canções para os seus corações
Era uma espécie de sol para todo mundo.


Até o dia em que ele afirmou estar errado
Fazendo o que fazia, seguindo por onde ia.
E riu-se de sua música e rasgou os seus versos,
Gritando aos ventos ser imprestável o que dizia,
Pedindo para que, como ele, esquecessem,
Tudo o que a sua boca maldita havia dito.


E disse mais - que apagassem para sempre
De sua história a idéia de qualquer idéia,
Qualquer pensamento do passado que servisse
Ao povo de alguma alegria, esperança ou fé.


Disse isso e se bandeou, com bom dinheiro,
Para outra terra, outro povo, outro País.
Pátria não havia em seu coração, pútrido,
Um coágulo oceânico de lama verde, dolarizado.


E assim ele se fez de glórias coroado,
Maior aos seus olhos do que era no passado,
Mas o povo da sua terra, a gente inteira
Sabia ao certo a sua história verdadeira.


À sua vida ele havia dado um fim
Pior do que um homem dá com um tiro na cabeça.
Pior do que um homem que nasce e morre sem nome.
O fim de um homem que nunca chegou a ser homem.



Recife, novembro/1997.



(do livro inédito TODOS OS SETEMBROS)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poemas inéditos de Yeda Barros

ARTISTAS DE PALMARES RECONHECIDOS NO MUNDO NÃO FORAM ESQUECIDOS PELA FUNDAÇÃO CASA DA CULTURA HERMILO BORBA FILHO

O GINÁSIO MUNICIPAL DOS PALMARES NO CORAÇÃO DE UM ESTUDANTE