A BIBLIOTECA PÚBLICA DOS PALMARES, MEU PRIMEIRO ALUMBRAMENTO

No poema "Evocação do Recife", Manuel Bandeira vê uma moça nuinha no banho - "Fiquei parado o coração batendo / Ela se riu / Foi o meu primeiro alumbramento." Creio que descobri a Bibloteca Pública dos Palmares com esse tipo de emoção. Era um mundo novo com todas as possíveis descobertas e com uma vantagem : me encontrei nele podendo tocá-lo,acariciá-lo, saboreá-lo, conhecendo a sua intimidade e levando-o comigo, nos livros que li e nos vários textos soltos que pude lembrar e guardar.
Tímido e arredio, aos 16 anos, conheci a Biblioteca que funcionava em uma sala ampla e arejada do antigo edifício do Grupo Escolar José Bezerra, na Rua da Conceição, centro da cidade (local onde existe hoje a Rodoviária Municipal dos Palmares, construída após a destruição insensata do edifício dessa escola).
A Biblioteca Pública (que preservava boa parte do acervo do Clube Literário dos Palmares), era dirigida pela professora Jessiva Sabino de Oliveira. Após uma campanha vitoriosa de estudantes palmarenses, da qual participaram, entre outros, os meus futuros amigos Givanilton Mendes e Antonio Maromba, a Biblioteca assumiu a sua identidade definitiva - BIBLIOTECA PÚBLICA MUNICIPAL PROFESSOR FENELON BARRETO - e ganhou, por força da demolição do antigo edifício do Grupo Escolar José Bezerra, uma sede nova : o edifício do histórico Clube Literário dos Palmares, seu atual endereço (Rua Fenelon Ferreira, centro da cidade).
Na Biblioteca que eu conheci - uma ampla sala com vários janelões que arejavam e iluminavam o ambiente durante as manhãs e as tardes do seu funcionamento - fiz descobertas inesperadas e definitivas, lendo de cambulhada tudo o que as minhas mãos alcançavam e a minha intuição de autodidata orientava : obras completas de Machado de Assis, Castro Alves, Humberto de Campos, os poetas românticos brasileiros, alguns poetas modernos (sobretudo os divulgados pela Revista Leitura, do Rio de Janeiro), textos teatrais brasileiros, poetas modernos dos Estados Unidos publicados em uma antologia traduzida no Brasil na década de 1950, a ficção de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Adonias Filho, de contistas franceses, russos e norte-americanos publicadas nas antologias da Ediouro, e os suplementos literários do Diário de Pernambuco e do Jornal do Commercio. Na casa dos meus pais, onde eu vivia com quatro irmãs e um irmão, não tinha um livro de ninguém...
A diretora Jessiva Sabino de Oliveira, com quem eu não falava direito, quando encerrava o expediente, nas manhãs em que eu frequentava a Biblioteca, fechava, pessoalmente, cada um dos oito janelões da sala - e deixava por último o janelão à luz do qual eu me sentava,com um aviso quase inaudível : "A Biblioteca está fechando." Eu recolocava o livro na sua estante e saía rápido sem uma palavra. Nesse ano, concluí o curso ginasial sem ter em casa sequer um livro escolar (meu pai não tinha dinheiro para esse luxo...)


Aos 17 anos, após a conclusão do curso ginasial, no Ginásio Municipal Agamenon Magalhães, eu já conseguia falar e me entender com a professora Jessiva e tive a coragem de lhe oferecer alguns textos que escrevi, as tentativas da minha primeira poesia. Recebi dela, além de uma namorada um pouco mais madura do que eu, os primeiros incentivos para escrever, para acreditar no ofício literário - e sobretudo na Poesia - que me fascina, me condena e me liberta até hoje. (JUAREIZ CORREYA)

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