ARTE DE AMAR E A ARTE DO AMOR







          O poema "Arte de Amar", de Manuel Bandeira, publicado há mais de 75 anos ("Lira dos Cinquent'anos" / POESIAS COMPLETAS, Rio, RJ, 1940), tem despertado, em seus leitores, até hoje, emoções, aprovações, aplausos e entusiasmadas admirações. É obra de Mestre mesmo.  Quando o conheci, nas minhas leituras desordenadas de autodidata, não senti nada disso.  Era um bom poema e nada mais do que isso.  Não me sentia bem com ele.  Me incomodava aquela sentença seca, quase desumana, dos dois versos finais...

         Transcrevo aqui o poema na íntegra  :


ARTE DE AMAR  


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. 
A alma é que estraga o amor... 
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.  
Não noutra alma. 


As almas são incomunicáveis.  


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.  


Porque os corpos se entendem, mas as almas não.    



          Esse incômodo com o poema de Manuel Bandeira me chateou por muitos anos... 

          Em incerta noite de insônia, no Jardim Atlântico, em Olinda, me levantei da cama, como um autômato, e fui direto para o pequeno escritório do apartamento a fim de ler ou escrever alguma coisa...  E já meti nas mãos um livro do poeta norte-americano Walt Whitman, publicado no Brasil com tradução de Geir Campos (Editora Brasiliense, São Paulo, SP, 1983), folheando-o, como se procurasse algo certo, até encontrar a resposta para o que me agoniava...  Lá estavam estes versos definitivos, luminosos, sequestrando a minha cegueira, saltando de dentro do poema "Canto a Mim Mesmo" : 


"Tenho dito que a alma 
não é mais do que o corpo
e tenho dito que o corpo 
não é mais do que a alma..."  


          Pronto.  Era isso, era com esses versos, que eu usaria como guia, que escreveria um poema para contestar ou apenas para acrescentar um baiano "ou não" à leitura do consagrado  "Arte de Amar", de Manuel Bandeira. 

          Não sei em que tempo depois escrevi esse pretendido contestador poema, que  enfrentariam  os versos negativos de Manuel Bandeira :  escrevi mesmo foi um poema - "Canto a Nós Mesmos",  publicado no livreto Améiica Indignada y Poemas da Alegria da Vida, Recife, PE, 1991) - que era apenas uma interpretação ou  recriação ou unicamente uma homenagem ao poema dos  versos citados de Walt Whitman.  

          A incômoda negação da Vida do poema de Manuel Bandeira continuava me perseguindo.  

          Também não me lembro quando escrevi este poema, mas acredito que acertei, que tem a medida exata para afirmar "não é nada disso, Mestre Manuel Bandeira !"  Creiam :  não é desaforo nem desafio o que eu fiz, não ousei tanto; talvez seja uma admiração pelo avesso, quem sabe uma possível releitura e  versão complementar ... ? 

          Este é o poema, publicado na segunda edição do meu ebook CORAÇÃO PORTÁTIL (Panamerica Nordestal Editora, Recife, PE, 2014) : 



A ARTE DO AMOR  


"os corpos se entendem, mas as almas não." 
(MANUEL BANDEIRA) 


deixa que o teu corpo
se entenda com o meu corpo. 
eles se entendem muito bem.   
é que antes as nossas almas 
já se entenderam também. 



(Juareiz Correya / 
 Boa Vista, Recife, novembro 2016) 

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Do livro inédito PEQUENAS HISTÓRIAS REAIS 



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