PEQUENAS HISTÓRIAS DE ATLÂNTICA : "A GERAÇÃO DO SANGUE" (primeira parte)






     Eles não sabiam ao certo onde moravam. Uns diziam que aquele sítio era de Pernambuco, outros que o lugar já pertencia a Alagoas.  Mas não sabiam direito o que era, onde viviam, alguém chegou a falar até em Dom Pedro Segundo, divisão de terras do Império, uma história de propriedades de famílias antigas, e que tinha uns senhores ali pela vizinhança com maior quantidade de terra do que eles procurando ser donos de mais terras.  Até gente que matava e morria por causa disso. 

     O pai e a mãe de José Genésio não conheciam direito os seus próprios nomes e o filho ainda não era registrado.  Viviam naquele pedaço de terra do jeito que dava para viver.  Uma vez por mês, o pai de José Genésio, montado em um burro com dois caçuás cheios de frutas, macaxeira, inhame, batata-doce, fruta-pão, ia para a feirinha do Engenho Bom Destino.  Às vezes levava também algumas galinhas, com os pés amarrados em embiras e presas por um trançado por trás da sela do animal.  No domingo de Bom Destino ele trocava as galinhas no barracão por algumas mercadorias; e, vendia o que levava nos caçuás, no largo pátio à frente do barracão; também aproveitava para trocar com outros feirantes o resultado do que plantava no seu sítio...  O barracão de seo Neco, com o largo pátio onde ocorria a feirinha do Engenho, ficava à margem da estrada de terra que se estirava em léguas até um lugar que chamavam de cidade : era Trombetas.  Ouvia falar, às vezes até pronunciava o nome, mas nunca tinha visto Trombetas. 


    
     José Genésio e o pai voltavam do riacho com alguns peixes e correram logo ao encontro da cachorra que ia chegando na frente da casa com uma caça presa nos dentes.  José Genésio pensou que era uma cachorrinha nascida no mato.  Quando o seu pai pegou o animalzinho dos dentes da cachorra, eles tiveram uma surpresa, um quase susto.  Era uma menininha, o corpinho nu sujo de terra e sangue, se debatendo nas mãos do pai de José Genésio como quem não conseguia respirar.  Ele limpou logo a menininha com a camisa rala que usava e gritou para que a mulher saísse de casa, recebesse a menininha e cuidasse dela.  A mãe quase viu a mesma cena do nascimento de José Genésio, ali no sítio, à beira do riacho, quando ela pariu o menino de cócoras, cortou o cordão umbelical com os próprios dentes e chamou o pai dele. 
     Assim que pôde chorar a menininha chorou.  Mas o leite providencial das duas cabras que criavam para o sustento deles e de José Genésio, já fervido e esfriado na beira do fogão, fez a menininha dormir bem e só acordar no começo da noite para beber mais o seu leite. 
     José Genésio, com os seus 5 anos de idade, ajudava a mãe, em casa, a cuidar da menininha, com pequenos serviços. A menininha cresceu forte, saudável, e ficou quase do tamanho de José Genésio. 

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Primeira parte do conto "A Geração do Sangue",
 do livro inédito PEQUENAS HISTÓRIAS DE ATLÂNTICA,
de Juareiz Correya.


 

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