"TRAVESSIAS" : HISTÓRIAS DE PADRES EUROPEUS PERSEGUIDOS PELA DITADURA MILITAR DO BRASIL
"TRAVESSIAS..." (capa),
de Antonio Torres Montenegro
- CEPE Editora, Recife, PE, 2019
O livro Travessias - padres europeus no Nordeste do Brasil (1959 - 1990), que a Companhia Editora de Pernambuco - CEPE lançou, nesta semana (dia 16 / 07), às 18 horas, durante o 30o. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA (Centro de Filosofia e Ciências Humanas / UFPE), é um importante registro da política adotada pela Igreja Católica, a partir dos anos de 1950, na perspectiva de equacionar a escassez de quadros locais na América Latina e combater o comunismo - em um momento de grandes transformações sociais e políticas vividas no continente. Esse recorte, feito pelo historiador e professor Antonio Torres Montenegro, estrutura-se a partir do relato de vida de cinco padres que atuaram, sobretudo, no Nordeste brasileiro.
A ideia de construção do livro foi um desdobramento de um projeto de pesquisa realizado por Antonio Torres Montenegro, no final da década de 1990, para o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) focado nas mobilizações e lutas dos trabalhadores rurais antes e após o golpe militar de 1964. Ao investigar a atuação específica da Igreja Católica, o autor se deparou com os padres Fidei Donum. A designação refere-se à Carta Encíclica Fidei Donum (O Dom da Fé), escrita em abril de 1955, na qual o Papa Pio XII apela aos bispos de todo o mundo que estimulem entre os padres de suas dioceses (europeus, canadenses e norte-americanos) o trabalho missionário voluntário na África e, logo após, na América Latina. Além de tentar equacionar o reduzido número de padres com o envio de estrangeiros - assegurando a hegemonia religiosa sobre a população diante do crescimento do protestantismo e do espiritismo -, a estratégia do Vaticano era combater a propagação das "pregações materialistas". Lançada por Pio XII, um dos papas que mais combateu o comunismo, a Fidei Donum foi reafirmada e ampliada pelo Papa João XXIII em seguida.
O livro Travessias... traz as histórias de vida dos padres Jacobus Josephus de Boer (Padre Jaime, Holanda). Joseph Comblin (Bélgica), Joseph Servat (França), Lambertus Bogaard (Holanda) e de Dom Xavier Gilles de Maupeou d' Ableiges (França). Religiosos de origens distintas que, movidos por desejos e expectativas pessoais, tornaram-se missionários Fidei Donum e que diante da realidade brasileira aqui se envolveram intensamente na luta contra as desigualdades sociais. "Passaram a chamar minha atenção os padres europeus que afirmaram terem emigrado para o Brasil por convocação da Encíclica Fidei Donum, sobretudo porque, se um dos objetivos dessas missões era o combate ao comunismo, era surpreendente descobrir como muitos deles, após o golpe de 64, começaram a ser taxados de comunistas e eram até detidos para interrogatórios. Alguns deles foram presos e mesmo expulsos do Brasil. Outros receberam ameaças de morte ou foram assassinados", destaca o autor.
Com 441 páginas, Travessias... contextualiza a história dos padres Fidei Donum à cena dos anos de 1950 a 1960 marcada por fortes tensões no mundo pelo acirramento da Guerra Fria, pela questão fundiária no Brasil com intensa participação do Partido Comunista, Ligas Camponesas, entre outros aspectos. Situa ainda a nova perspectiva de função social e política da Igreja defendida pela ala progressista, o surgimento da Teologia da Libertação e as relações institucionais estabelecidas entre a Igreja e os governos militares no interesse de combater o comunismo, um inimigo em comum.
É prefaciado por Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que avalia ser o livro (introdução, notas e narrativas dos padres) um conjunto precioso e único para a compreensão das décadas do último terço do século XX :
"Uma questão que perpassou a trajetória deles no País foi a das relações entre a Igreja e a política. Cedo perceberam, quando já não traziam essa reflexão das terras de origem, que a Igreja a que pertenciam, e pela qual aportaram no Brasil, a sua Igreja, não era muito mas - ou, nas condições brasileiras, quase exclusivamente - uma instituição a serviço dos interesses dominantes e dos governos constituídos", ressalta.
Texto de ROZIANE FERNANDES
(Assessoria de Imprensa / CEPE)
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